A importância do livre-pensar.
Há alguns dias tenho me dedicado a ler novamente a Revista Espirita, periódico espírita francês editado por Allan Kardec de 1858 a 1869.
E me deparei com o texto livre-pensamento e livre-consciência. Que texto!!! Tão atual como se tivesse sido escrito ontem.
Allan Kardec explica os dois tipos de livres-pensadores: os incrédulos para quem "ser livre-pensador não é apenas crer no que se quer, mas não crer em nada; é libertar-se de todo freio, mesmo do temor de Deus e do futuro." E os crentes para quem ser livre-pensador "é subordinar a crença à razão e liberta-se do jugo da fé cega".
Nesse texto Allan Kardec traz a necessária discussão entre o materialismo e a ciência espírita. A argumentação é tão rica e lúcida que fico pensando como é possível que, mesmo após 150 anos, a humanidade ainda resista a quebrar e superar o paradigma materialista.
À época em que foi escrito, alguns questionavam o espiritismo utilizando os argumentos de que "Deus não pode ser demonstrado por uma equação algébrica e a alma não é perceptível com o auxilio de um reativo, assim é absurdo crer em Deus e na alma." Ou seja, se você quer ser discípulo da ciência, você deve obrigatoriamente ser ateu e materialista.
Se tal argumentação conseguisse sustentar o crivo da verdade, como explicar então que a ciência não é infalível? Como explicar as diversas vezes que a ciência deu como verdade algo que mais tarde se reconheceu como erro e vice-versa? Será que a ciência pode se arvorar em se dizer detentora de todas as verdades, sabedora de todas as leis da natureza, de saber utilizar todos os recursos das leis que já são conhecidas?
Ora, se hoje os homens já sabem muito mais do que os homens dos tempos primitivos, como estabelecer limites absolutos àquilo que se pode saber? Como afirmar categoricamente que não existe continuidade da vida após o desenlace da carne, após a morte do corpo físico?
E essa hipótese de vida após a morte tornou-se realidade com o espiritismo.
É graças ao espiritismo que tanta gente que acreditava que morrer era para sempre, que irremediavelmente era o fim da existência; hoje está certa de viver sempre, que a vida não acaba, que se evolui constantemente em vários outros planos de existência.
Kardec faz uma interessante analogia com a força gravitacional, que rege nosso universo desde o grão de areia até os mundos e faz os seguintes questionamentos: "quem a viu? quem a pôde seguir e analisar? em que consiste? qual a sua natureza, a sua causa primeira?" Ninguém duvida da força gravitacional, não é mesmo? E como foi que a reconheceram? Por seus efeitos; dos seus efeitos concluíram a causa. E Kardec conclui sua analogia: "Dá-se o mesmo com Deus e a vida espiritual, que também se julga por seus efeitos, conforme o axioma: Todo efeito tem uma causa. Todo efeito inteligente tem uma causa inteligente. O poder da causa inteligente está na razão da grandeza do efeito."
"Crer em Deus e na vida espiritual não é, pois, uma crença puramente gratuita, mas o resultado de observações, tão positivas quanto as que fizeram crer na força da gravitação." - Allan Kardec, Revista Espirita Fevereiro 1867
E o que é mais livre, mais independente, menos perceptível por sua própria essência, do que o pensamento?
Percebem como a liberdade de pensamento é essencial a evolução do ser humano? E como estamos correndo riscos inerentes a nossa própria passividade diante dos acontecimentos atuais? Aquele que quer subjugar o pensamento à matéria circunscrevendo-o as coisas puramente terrenas em nome da "razão" é realmente livre? Ou a verdadeira liberdade está naquele que se atira de mente aberta ao infinito e quer ver além do mundo da matéria? Os dois são livres, porém, somente a corrente materialista é que pretende, e pretendeu ao longo da história humana, circunscrever o pensamento no estreito limite do tangível, ou seja: você só pode ter a liberdade de pensar dentro do círculo que traçamos para o pensamento, se sair deste círculo, nós declaramos que não é mais pensamento e sim loucura, tolice, negacionismo, contra-senso, porque só a nós ("cientistas"/materialistas) cabe discernir o falso do verdadeiro.
O perigo de querer impor suas idéias aos outros, de querer ter o monopólio da razão, é tornar-se cerceador da liberdade de pensamento, é tornar-se tirano. E não é isso o que temos visto? Uma tentativa enlouquecida de estabelecer um discurso único, de perseguição àqueles que não comungam com as mesmas idéias?
O livre-pensamento deve ser entendido como o livre uso que fazemos da faculdade de pensar, de raciocinar, e não da sua aplicação a uma ordem qualquer de idéias; não é escolher uma coisa em vez de outra, ou excluir uma ou outra crença, mas sim a liberdade absoluta da escolha das crenças.
"Toda opinião racional, que não é imposta nem subjugada cegamente à de outrem, mas que é voluntariamente adotada em virtude do exercício do raciocínio pessoal, é um pensamento livre, quer seja religioso, político ou filosófico." - Allan Kardec, Revista Espírita Fevereiro 1867
O livre-pensamento eleva a dignidade do homem, emancipa o espírito, não o faz escravo da matéria, não faz do homem uma máquina de crer. O livre-pensamento não quer escravos porque ele simboliza a emancipação intelectual e a independência moral do homem.
A criminalização da liberdade de pensamento que tem atingido o mundo é aterrorizante. Para aqueles que querem, a todo custo, impor seu modo de pensar, a liberdade de pensamento só é permitida para quem pensar como eles, para quem crer no que eles creem: "você é livre para pensar desde que não vás mais longe do que a ponta da corda à qual te amarramos."
O princípio do espiritismo estabelece que antes de crer é preciso compreender. Para compreender é preciso fazer uso do raciocínio. O espiritismo sai de "creia primeiro, e depois compreenda, se puder" para "compreenda primeiro, e depois acredite, se quiser." Quer maior liberdade do que essa? O espiritismo diz: veja, observe, compare e venha a nós livremente se isso for de sua vontade.
A liberdade é patrimônio do ser humano.
Para refletirmos
Allan Kardec disse aos que não aceitam o espiritismo: "Sois livres (… ); tudo o que vos peço é que me deixeis minha liberdade, como vos deixo a vossa. Se procurais me excluir, temendo que vos suplante, é que não estais muito seguros de vós."
A liberdade é um bem precioso. Nosso Pai nos concedeu a liberdade de pensar que significa livre-exame das coisas, liberdade de consciência, fé raciocinada. Não nos deixemos ser levados pelo medo e pelo pânico. É o que as trevas e àqueles que a servem querem. Defendamos nossa liberdade de pensamento como dignos filhos de Deus que somos. Não é possível admitir teorias utópicas, teorias que não sejam fundadas na observação. Mas lembrem-se: devemos sempre utilizar a nossa capacidade de raciocinar e nossa tolerância e fraternidade. Pois mesmo aqueles que caminham na escuridão do mundo, iludidos pelo "poder" terreno e por ideias sem sentido e que contrariam os ensinamentos de Jesus, são filhos do Pai como nós.
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